Reflexão sobre riscos, ciclos e oportunidades
De Evandro Bertho, sócio da NAU Capital, para o Infomoney
Desde 2020, a vida de quem toma risco de mercado não está fácil. O Brasil está barato há um bom tempo — e, mesmo assim, nada anda.
Em 2022, confesso que me animei. A inflação parecia ter atingido o topo, com probabilidade expressiva de que cortes sucessivos de juros estivessem por vir em algum momento no futuro próximo, após a Selic atingir 13,75% ao ano.
Em 2023, essa visão parecia ainda mais clara. Nos animamos, acreditando que o juro não só entraria em um ritmo de queda, mas também que poderia retornar para um dígito. O alívio fiscal com o novo arcabouço, o foco em reformas e a queda da inflação trouxeram certo ânimo aos mercados.
Mas 2024 chegou com um choque de realidade. O discurso fiscal piorou, a política monetária nos EUA ficou mais restritiva, o dólar subiu e a resiliência inflacionária provocou uma reprecificação generalizada dos ativos. O Brasil acabou sendo um dos piores lugares para estar investido, com o Ibovespa registrando uma queda de 29,6% em dólares.
Mas será que o ponto de inflexão pode estar próximo?
Primeiro, sou agnóstico quanto a qualquer visão macro ou tentativa de prever o futuro dos mercados. Ao mesmo tempo, acredito que, no Brasil, vivemos um longo e doloroso movimento pendular. Quando achamos que o país está em ruínas, geralmente ele está um pouco melhor, ou em processo de recuperação. Quando acreditamos que vai decolar (sei que você lembrou da clássica capa da The Economist, com o Cristo pronto para alçar voo), geralmente estamos um pouco piores — e o futuro que nos aguarda é mais difícil do que parece.
Defendo que o Brasil tem pesos e contrapesos que me fazem crer que, quanto mais próximo do abismo, mais perto também estamos da inflexão. Claro que a premissa básica para essa análise é acreditar que vivemos em um país com alguma estabilidade institucional — o que está ruim tem limite para piorar.
E tem uma certa lógica em acreditar na reversão.
De forma simplificada, num ambiente mais difícil, por exemplo, quando os juros estão altos (como agora), o capital se torna mais seletivo, reduzindo o apetite por risco e desencorajando o espírito capitalista dos empreendedores. O investimento busca abrigo em ativos isentos oferecidos pelos bancos, e os alocadores passam a fazer mais contas. No mercado imobiliário, os ativos caros perdem liquidez e, com o passar do tempo, os descontos começam a aparecer. No mercado de crédito, a inadimplência aumenta, os credores se retraem diante dos defaults, exigem mais garantias e elevam suas taxas, tornando o dinheiro escasso e acessível apenas aos mais qualificados. As empresas têm dificuldade para se financiar, as frágeis quebram, ocorre consolidação nos setores. Na consolidação, em busca de eficiência, cortes são feitos, o desemprego cresce, ampliando a oferta de mão de obra. As ações listadas em bolsa são pressionadas, o pessimismo se espalha e a economia entra em retração.
Embora em seu próprio tempo, Brasília também se mexe quando o cenário aperta — afinal, a dificuldade bate no bolso do eleitor. Isso gera pressão por parte de empresários formadores de opinião, descontentamento popular, que se traduz em queda de popularidade e, consequentemente, em perda de apoio parlamentar. O Executivo, pressionado por todos os lados, se vê forçado a agir: primeiro por meio de ajuste de tom, mais amigável; depois, podem chegar anúncios de iniciativas mais sóbrias.
Portanto, como em todo ciclo, no ponto mais escuro do túnel, o medo dá lugar à percepção de exagero nos preços, e surgem as primeiras oportunidades — especialmente para quem tem coragem e visão de longo prazo.
É nesse sentido que Howard Marks, sócio fundador da Oaktree, defende que um estágio do ciclo não apenas leva ao próximo, mas causa o próximo. Em suas palavras:
“Os ciclos se autocorrigem, e sua inversão não depende necessariamente de eventos exógenos. Eles se invertem (em vez de continuarem para sempre em linha reta) porque as tendências criam motivos para sua própria inversão.”
Não te recomendo tentar descobrir quando vai virar — embora eu adorasse saber. Tampouco sei qual será o catalisador para a reversão. Pode ser o “rally de eleição”? Surpresa fiscal positiva, com anúncio de novas medidas de ajuste. Movimento rotacional de portfólios globais buscando exposição em países menos afetados pelas novas tarifas? Não sei.
O que quero, na verdade, é calibrar minha agressividade e me posicionar em uma assimetria positiva, onde tenho mais a ganhar se estiver certo do que a perder se estiver errado. E, nesse sentido, vejo que há oportunidade à mesa.
Alguns dirão: “Mas você tem coragem de falar de bolsa nesse nível de juro?”. Quando as taxas de juros estão nos highs, é razoável deduzir que os valuations estão nas mínimas — e é isso o que os fundamentos sugerem. Pode escolher o múltiplo de sua preferência (Preço/Lucro, Preço/Patrimônio Líquido, Enterprise Value/EBITDA), o desconto está implícito em todos eles.
Observar como a multidão de investidores pensa e como tende a tomar decisões me ajuda a buscar posicionamentos contrários. Quando o pessimismo é generalizado, o preço reflete — e bons ativos podem ficar subvalorizados. Uma aversão inadequada ao risco pode ser, justamente, o que abre a janela de oportunidade. E esse fator psicológico dos investidores deve ser explorado. Influenciado pelo noticiário, redes sociais e manchetes chamativas, diria que o investidor brasileiro está, no mínimo, bastante cauteloso. Já sabemos que a dor da perda supera a alegria do ganho (vide prospect theory) e que, no processo de decisão de investimento, há ancoragem baseada no retorno recente — que não foi nada atrativo. Lembre-se de que nem os institucionais estão ilesos. Após a crise de 1929, a exposição institucional a ações só voltou a patamares próximos do pré-crash nas décadas de 50 e 60. Quem apanha, custa esquecer.
Sendo assim, sou comprador de Brasil. Meu nível de agressividade está relativamente alto. Não se trata de um “all-in” — principalmente por dois motivos. Primeiro, sei que posso estar errado e, portanto, nada melhor do que diversificar em bons ativos. E, sim, o CDI é um baita “ativo” que me protege do meu erro prospectivo. Segundo, não há precedentes que nos mostrem um Brasil indo bem com o mundo em frangalhos. Como o mundo anda meio estranho, coloque o capital para trabalhar — mas vá com calma.