No último texto que escrevi para este espaço, destaquei que, entre todos os receios associados à política de Donald Trump, o único que realmente me preocupava era a guerra comercial. O tempo passou — e cá estamos: o mundo em estado de pânico diante das iniciativas cada vez mais ousadas do presidente dos Estados Unidos. Não é para menos. Assusta a velocidade e a amplitude com que novas tarifas vêm sendo anunciadas. Os argumentos, em princípio, indicam que Trump busca reordenar o sistema global, contendo a influência da China. O chamado “Dia da Libertação” — nome dado por Trump ao anunciar uma nova rodada de tarifas — seria uma forma de forçar aliados a escolher entre os EUA e a China.
Vivemos, sim, um momento de enorme incerteza. A confiança do investidor — e, mais ainda, a do empresariado — está sendo minada: é praticamente impossível fazer projeções de longo prazo diante de tamanha falta de visibilidade. Como alertou Bill Ackman: “As tarifas são o início de uma guerra econômica nuclear.”
Pense, ilustrativamente, em um investidor americano que decide vender seus títulos de renda fixa para abrir uma padaria. Em seu plano de negócios contempla a compra de equipamentos, custo dos insumos, planejamento tributário, funcionários etc. De repente, o governo impõe uma tarifa de 25% sobre o trigo importado do Canadá — o maior fornecedor de farinha dos EUA, responsável por cerca de 85% das importações. O custo da matéria-prima dispara. Todas as projeções estão ameaçadas. Foi exatamente isso que aconteceu no chamado “Dia da Libertação” — nome dado por Trump ao anunciar uma nova rodada de tarifas.
O investidor decide então manter seus recursos em Treasuries (títulos da dívida americana), mas, no dia seguinte, é lembrado pela manchete do jornal de que um dos grandes riscos discutidos atualmente é a crescente incerteza fiscal nos próprios Estados Unidos… quem diria.
Um dos conselheiros econômicos de Donald Trump, chegou a sugerir uma proposta de trocar parte da dívida atual dos EUA por títulos perpétuos de cupom zero. Ou seja, papéis que nunca vencem e que não pagam juros — o governo não amortizaria essa dívida, e os títulos apenas “existiriam” no mercado.
Em paralelo, projetam-se retaliações comerciais, pressão inflacionária, elevação dos juros futuros e, inevitavelmente, uma economia global menos dinâmica. E isso sem falar no ambiente geopolítico conflituoso, na desaceleração da China, no impacto da inteligência artificial sobre os empregos e nos efeitos das mudanças climáticas.
É verdade, tudo isso dá medo.
Mas é sempre bom lembrar: o mundo é complexo — e sempre foi. Tenho escutado que “está tudo muito esquisito”, mas a verdade é que o mundo sempre foi, no mínimo, meio estranho. É crucial reconhecer que a incerteza atual não é necessariamente maior ou sem precedentes. Basta olhar pelo retrovisor: Guerra Fria, crises cambiais, hiperinflação nos anos 70/80, os atentados de 2001, a crise de 2008, a pandemia… Sempre convivemos com incertezas gigantescas que, vistas em retrospectiva, parecem mais domadas que as atuais. A diferença, talvez, esteja na velocidade com que tudo se propaga — inclusive o medo.
O que realmente me assusta não é o risco ou os ajustes de preço — é quando as pessoas começam a acreditar que as coisas boas vão durar para sempre. Aí sim mora o perigo. Já dizia o grande investidor Howard Marks: “A coisa mais arriscada não é o risco. É acreditar que não existe risco.” O medo, por mais desconfortável que seja, tem uma função valiosa. Ele nos protege da complacência. Nos obriga a fazer contas, a ser seletivos, a evitar atalhos.
Enquanto houver medo, seremos mais cautelosos: exigiremos prêmios de risco, revisitaremos premissas otimistas, aumentaremos a eficiência das operações, cortaremos desperdícios, reduziremos alavancagem, alocaremos melhor o capital.
Para mim, o cenário exige atenção, diligência e, dependendo dos desdobramentos, foco obstinado na busca por oportunidades. Como disse Baron Rothschild, um banqueiro britânico do século XVIII: As melhores oportunidades aparecem quando há sangue nas ruas.
Evandro Bertho, sócio fundador da NAU Capital, em coluna no Valor Econômico. Link da coluna a seguir: